Juan Cabanas ERAUSQUIN (1907-1979)
1943
Novembro
- Exposição no Secretariado de Propaganda Nacional, Lisboa
O pintor basco Juan Cabanas Erausquin inaugurou, a convite do Secretariado da Propaganda Nacional[1], uma exposição no estúdio do S.P.N. a 29 de Novembro de 1943[2], à qual assistiram numerosas personalidades, entre as quais o ministro de Espanha[3], num evento que, presidido por António Ferro[4], procurou prolongar o mesmo “ambiente inolvidável da grande exposição de Arte Moderna Espanhola”[5] (referência à Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943), inaugurada no mesmo mês, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa).
Catálogo[6]: Pajaros tristes (Homenaje a Ravel) (n.1), Pajaros de la tormenta (Homenaje a Ravel) (n.2), Pajaros de fuego (Homenaje a Ravel) (n.3), Fragmentos de pintura mural (n.4), Nacimiento del rio (n.5), Alamillos del tránsito (Toledo) (n.6), Flores silvestres (n.7), En el intimo pliegue de la rosa (n.8), Bella entre las bellas (n.9), Amanecer de las hadas (n.10), Plaza de la alberca (Salamanca) (n.11), La fuente de la alberca (Salamanca) (n.12), Avila de los caballeros (n.13), Toledo (n.14), Toledo (Puente de San Martin) (n.15), Flores de madrigal (n.16), Flores de madrigal (n.17), Farándula (n.18), Alucinación (n.19), Pueblo de la sierra de francia (n.20), El espectro del estanque (n.21), Titeres en el pueblo (n.22), Lectura (n.23), Flores en la ventana (n.24), Calle en la alberca (Salamanca) (n.25), El sombrero de montehermoso (n.26), Camelias (n.27), No hay rosas sin espinas (n.28), Jardim olvidado (n.29), Dafne hija del rio (n.30), La ofrenda del caballero (n.31), Alameda de las cuatro fuentes (n.32), Avenida de la casa escondida (n.33).
Para A.P. (António Pedro?), o “espírito inquietante e inquietado” de Cabanas, “que vai desde o classicismo (quanto à correção da forma e tradução pictural da vida), como na «Leitura», até ao que aprendeu de Goya e o que está para cá de Miguel Ângelo, como na «Alucinação»”, revela-se em “reminiscências renascentistas” principalmente na tonalidade das suas pinturas, na “ingenuidade voluntária” do seu desenho e nos seus “arabescos ingénuos de primitivo”[7]. A.P. diagnostica também uma ausência de unidade na sua obra embora conceda que, por vezes, a fragmentação temática seja uma qualidade.
No seu artigo sobre a exposição de Juan Cabanas Erausquin, Adriano de Gusmão[8] assinala a ausência do pintor basco na Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943) na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa: "Juan Cabanas, sendo um dos que não vieram ao Salão da Barata Salgueiro, chegou a tempo de nos mostrar um oportuno aspecto duma pintura que, por pessoal e sem virtualidades de projeção, não deixa de oferecer o positivo interesse de a conhecermos".
Neste artigo, Gusmão desenvolve uma distinção do que, para si, seriam as três correntes da arte moderna: a primeira que, “partindo do naturalismo e impressionismo francês do século passado, mantém ainda uma excelente atualidade, quando nela há ecos da reação vitalizadora da experiência «fauvista» (...)”, representa “uma curva duma grande elipse, cujos velazqueanos (sic) e goyescos (sic) focos podem vir um dia a ser aproximados de novo”; a segunda corrente diz respeito às produções artísticas devedoras do Expressionismo e do “Sôbrerrealismo” (sic), depois de apagadas as “vozes do Cubismo e do Futurismo”; a última corrente é uma “vereda promissora” onde “a disciplina é liberdade de espírito, é auto-determinação de bem servir a humanidade, que quer colaborar na construção do futuro, erguendo em formas plásticas as difusas aspirações do presente. (..) Arte monumental, desde os fundamentos espirituais e ideológicos até à divulgação prática (...) que legitimamente entronca nos grandes decoradores da Renascença, com renovada e picassiana (sic) seiva criadora, já com o inconfundível selo duma Época” e Gusmão exemplifica com a “pintura dum Rivera, dum Orozco, dum Siqueiros, dum Portinari”.
Segundo o crítico, a pintura de Cabanas “tem mais de um motivo de interesse”, seja “pelo brilho da sua luminosa cor”, seja “pela imaginação poética patente em alguns dos seus quadros”, seja até pela “interrogação problemática” que as suas obras colocam enquanto “experiência moderna de arte”. Questiona-se: "Na verdade, a pintura de Juan Cabanas conciliará a libertação formal e de conteúdo conquistada pela arte moderna com aqueles valores permanentes cujos modelos se erguem inabaláveis no passado? Será a sua arte já uma resposta à pergunta que muitos de nós fazemos acerca do futuro da pintura?" E responde às questões por si colocadas: “Estamos em crer que não (...)”, embora o “moderado ecletismo” do pintor o aproxime mais do “moderno” do que do “antigo”. Gusmão critica a composição dos quadros de Cabanas, que apenas seguem a intuição do artista e não aprofundam a “arte-meio-ciência da composição”, referindo as obras Dafne hija del rio (n.30), Nacimiento del rio (n.5), Alucinación (n.19), como exemplos de uma composição desequilibrada: “Se a pintura de ar livre depois do Impressionismo destreinou grande número de artistas na arte de compor, o certo é que os mais modernos, desde Cézanne, com um Matisse ou um Picasso, não deixaram de se exercitar nessa difícil arte que ajuda a ordenar e equilibrar uma obra plástica.”
Gusmão desaprova a atenção que o pintor dá ao pormenor das suas “pequenas pinturas de cavalete” e critica o seu “decadentista gosto literário” que se revela em títulos de quadros como No hay rosas sin espiños (n.28) e En el intimo pliegue de la rosa (n.8), e na ideia de “bilhete postal ilustrado” que é Bella entre las bellas (n.9).
No entanto, o crítico elogia a cor dos quadros de Cabanas, onde “há por vezes violáceos e cinzentos grecoides (sic), azuis de céu dum autêntico primitivo, céus ensombrados por belas e dramáticas nuvens”. Além da cor, que é “inspirada na pintura antiga”, Gusmão elogia a “imaginação poética” e “liberdade lírica” patentes nas obras do pintor, características que representam “uma preciosidade, portanto, dentro do panorama pictórico que costumamos ver”. A maior virtude de Cabanas é, para o crítico, a sua inclinação para transformar a sua imaginação em imagens:
É que nos quadros de Cabanas topa-se com pormenores deliciosos ou com atmosferas invulgares, como que testemunhos de quem viajou por estranhas e privilegiadas regiões criadas pelos poetas e povoadas pelos génios das águas e dos bosques. E esta presença de fantasia faz-nos perdoar aqueles mal alicerçados travejamentos denunciados há pouco. Ele cede pouco ao sôbrerrealismo (sic), mas apropria-se de certo espírito independente deste, para reunir a verdade ao sonho, para aproximar as coisas da natureza.[9]
Gusmão distingue sugestões de surrealismo em Amanecer de las Hadas (n.10) e Em Avila de los caballeros (n.13), onde “a realidade aparece marcada dum agradável sentido decorativo”, e reconhece uma leve sugestão de Chirico em Titeres en el pueblo (n.22).
Já 0 Século[10], citando "a imprensa de vários países", acentua o valor "impressionista muito sugestivo" dos quadros do artista, onde há sempre "uma figura central completa, cheia de emoção". Sobre a mestria da cor dos seus quadros:
Dizem (...) os críticos que na superfície da cor, na profundidade de volume, existe uma ampla e dispersa emoção humana que escapa a todas as teorias e que só pode ser apreendida pela sensibilidade do artista; que escolhe temas simples a um extremo, que está de acordo com a sua maneira branda, que não deixa, por isso, de ser vigorosa. A sua pincelada é formosa e livre; o seu sentido de cor, harmonioso; chegando às maiores delicadezas e equilibrando as massas num ritmo de linhas originais. (...) Mestre, mago da cor, sabe levar ao quadro a pura gama que seus olhos absorveram nos vales pátrios nos rios calmos e nas torrentes que oferecem suas águas às carícias do sol.
M.S.[11] divide a exposição de Juan Cabanas Erausquin em dois campos temáticos:
A sua exposição, cheia de simpatia, desdobra-se em dois aspetos. Aquém do arco divisório da galeria vê-se a sua obra tranquila, as telas do pintor despreocupado da literatura plástica, aspetos de Toledo, de Ávila, de Alberca, grandes e pequenos «pueblos», muros, torres, fachadas, telhados, tudo embebido naquele acre que é tanto da fisionomia urbana de Castela, e que Cabanas traduziu com verdade e com sensibilidade fina; para lá dos pilares de separação está a obra cerebral; dentro do cânone dessa nova espécie de mitologia criada ao sopro do chamado «modernismo», termo cómodo mas muitas vezes imperfeito.
O autor destaca a obra Nacimiento del rio (n.5) como a “composição de maior equilíbrio, casando bem verdes e azuis (...) como um lindo documento de regresso. A inspiração do antigo passou por ali”.
A exposição foi encerrada no dia 9 de Dezembro[12] de 1943 e n’O Século encontramos a informação de que “entre as obras adquiridas (...), figura um quadro comprado pela grande artista Império Argentina”[13]. No dia 13 de Dezembro, às 22h, Juan Cabanas proferiu uma conferência no Centro Universitário de Lisboa[14], organizada pela Mocidade Portuguesa, presidida por Marcelo Caetano (enquanto comissário nacional da Mocidade Portuguesa), e secretariada pelo comandante do Centro, o estudante Trigo Pereira:
Juan Cabanas, figura de revelo na moderna pintura espanhola, falou (...) sobre arte aos estudantes universitários de Lisboa, na sede do Centro Universitário da M.P. Fê-lo na presença de alguns dos seus trabalhos, que os nossos meios artísticos já tiveram ensejo de apreciar e de admirar. Proferidas breves palavras de apresentação por outro estudante – Luiz Pedreira – o artista espanhol proferiu a palestra. Os seus quadros – disse – eram a sua mais fiel expressão; a sua linguagem e a sua ânsia de beleza. Não querendo falar, propriamente, dos seus quadros, era, no entanto, forçado a estabelecer uma relação entre a pintura do impressionismo até à de nossos dias. Só assim se poderia compreender a pintura de hoje.
No discurso do pintor basco[15], o movimento artístico do impressionismo, que teria nascido nos fins do século XIX com o objetivo de “libertar a pintura da tortura a que estava submetida pelos artistas de pouca imaginação e com muito fraco afan (sic) de criação”, é comparado com o cubismo que, surgindo mais tarde, “deu, de certo modo, disciplina à pintura, influindo, também, nos processos de trabalho dos impressionistas”. Enquanto o impressionismo incentivou os pintores a “buscar a luz”, o que resultou na preferência por temas como o “campo” e o “ar livre”, o “cubismo, porém, assentou, essencialmente, no mundo dos valores plásticos, esquecendo que este não é suficiente numa obra perfeita de arte”:
Em princípio, o tema interessava ao pintor e, dessa maneira, um quadro era, objetiva e espetacularmente, um objeto. O impressionismo subsiste, porém, e o cubismo desapareceu. Não deve, todavia, esquecer-se que o impressionismo não influiu fora da arte, contrariamente ao que aconteceu com o cubismo, que não tardou em converter-se em fórmula. (...) O cubismo deu-nos disciplina no espaço, modo de ver e de expressar o objeto, mas levou a esquecer a missão da pintura. Houve quem pensasse, por isso, que o pintor, aturdido por tanta confusão, cairia. Não sucedeu, assim, porém. Ao contrário – terminou – aumentou a nossa fé, a tal ponto que os artistas se convencem, hoje mais do que nunca, de que a arte salvará o homem.
No final do discurso, Juan Cabanas Erausquin apresentou alguns dos seus quadros ao público de estudantes, “para expor quais as intenções que orientaram esses trabalhos e as expressões plásticas que procurou atingir”.
Sabemos, pela correspondência partilhada entre Juan Cabanas Erausquin e Diogo de Macedo, que as obras do pintor espanhol permaneceram no Secretariado de Propaganda Nacional até, pelo menos, 29 de Dezembro de 1943[16]:
Sr. Dr. Diogo de Macedo (...) Muy sinceramente le deseo toda clase de felicidades y mis mejores votos para el próximo año de 1944. Una vez mas debo de agradecerte todas las atenciones que ha tenidos para conmigo con motivo de mi exposición en esa inolvidable Lisboa. Los cuadros como ya le indiqué estan depositados en el Secretariado de Propaganda Nacional y si Vd. debea verlos pongase de acuerdo con el Sr. Pereira de Carvalho quien tiene indicaciones dadas por mi sobre el particular. La propuesta que (el?) puede hacerme creo que es mejor se haga por medición de la Embajada de Portugal en Madrid, o simplesmente Vd. me pondria un telegrama y yo me transladaria a esa. Sabe puede disponer como guste. De este suyo s.s. y amigo J. Cabanas (assinado).
[1] Anónimo, «Juan Cabanas pintor modernista espanhol apresenta-se no sábado no estúdio do S.P.N.», O Século, 23 de Novembro de 1943, 2.
[2] Anónimo, «Exposição Juan Cabanas», O Século, 29 de Novembro de 1943.
[3] Anónimo, «Exposición del pintor Juan Cabanas, en Lisboa», ABC, 30 de Novembro de 1943.
[4] M.S., «Juan Cabanas pintor espanhol modernista inaugurou ontem a sua exposição no Secretariado da Propaganda», O Século, 30 de Novembro de 1943, 1.
[5] Anónimo, «Juan Cabanas vai expôr no S.P.N.», Diário de Lisboa, 27 de Novembro de 1943, 2a edição.
[6] Secretariado de Propaganda Nacional, ed., Exposição de Juan Cabanas (Lisboa: Editorial Império, 1943).
[7] A.P. (António Pedro?), «Juan Cabanas o pintor dos contrastes expõe no estudio do S.P.N.», Diário de Lisboa, 30 de Novembro de 1943, 2a edição, 5.
[8] Adriano de Gusmão, «Exposição de Juan Cabanas», Seara Nova, 18 de Dezembro de 1943, 280.
[9] Gusmão, 281.
[10] Anónimo, «Juan Cabanas pintor modernista espanhol apresenta-se no sábado no estúdio do S.P.N.», O Século, 23 de Novembro de 1943, 2.
[11] M.S., «Juan Cabanas pintor espanhol modernista inaugurou ontem a sua exposição no Secretariado da Propaganda», O Século, 30 de Novembro de 1943, 1.
[12] Anónimo, «Vida Artística», O Século, 9 de Dezembro de 1943, 4.
[13] Anónimo, «A exposição de trabalhos do pintor espanhol Juan Cabanas encerra-se amanhã», O Século, 8 de Dezembro de 1943, 8.
[14] Anónimo, «Conferência», O Século, 13 de Dezembro de 1943, 2.
[15] Anónimo, «O artista espanhol Juan Cabanas falou ontem sobre pintura no Centro Universitário da Mocidade Portuguesa», O Século, 14 de Dezembro de 1943, 8.
[16] Juan Cabanas Erausquin, «1943-1944, Madrid, a Diogo de Macedo, Lisboa», 29 de Dezembro de 1943.