Exposição de pintura e escultura espanholas (1900-1943) na sociedade nacional de belas artes, lisboa (10.11.1943-29.11.1943)
A exposição foi uma iniciativa do governo espanhol, através dos Ministérios de Assuntos Exteriores e da Educação Nacional[1], apresentando em Lisboa o “conjunto mais variado e seleto de Arte espanhola contemporânea” exposta até ao momento, contribuindo para o “necessário estreitamento das relações culturais e o aprofundamento da mútua compreensão das índoles dos dois povos peninsulares”[2], cumprindo, assim, “um dos ditames da fraternidade peninsular”[3].
Catálogo[4]:
- Pintura: José Aguiar (Canárias): Rapariga à janela (n.1) e Retrato (n.2); Fernando Álvarez de Sotomayor (Ferrol del Caudillo): Retrato da filha do artista (n.3), Retrato da Sr.ª de Muñoz Aguilar (n.4) e Retrato da filha do Duque de Alba (n.5); José Amat Pagés (Barcelona): Calle Atlántida (Barcelona) (n.6); Hermen/Hermenegild Anglada Camarasa (Barcelona): Vendedeiras de romãs (n.7) e Andares gitanos (n.8); Manuel Benedito (Valência): Capra Hispanica (n.9), Flor de Sevilha (n.10) e Retrato de Conchita Piquer (n.11); Ismael Blat (Valência): Retrato (n.12); José Campillo (Múrcia): Pôrto de Barcelona (n.13); Eduardo Chicharro (Madrid): Cabeça (n.14); Maria Teresa Condeminas (Barcelona): O Espêlho (n.15) ; Rafael Durancamps (Barcelona): A garrafa verde (n.16); Mariano Fortuny y Madrazo (Granada): Nú (n.17); José Frau (Pontevedra): Paisagem ao entardecer (n.18); Sebastián Garcia Vázquez (Huelva): Pastoral (n.19); José Gutierrez Solana (Madrid): A visita do Senhor Bispo (n.20) ; Eugenio Hermoso Martínez (Badajoz): Festa de aldeia (n.21); Hipólito Hidalgo de Caviedes (Madrid): Retrato do pai do artista (n.22); Fernando Labrada Martín (Málaga): Paisagem (n.23); Genaro Lahuerta López (Valência): Retrato da mãe do artista (n.24); Bonifacio Lázaro Lozano (Badajoz): A Vénus de veludo (n.25) e Paisagem de Candelario (n.26); Carmen R. de Legísima (Orense): Retrato da irmã da artista (n.27); Magdalena Leroux de Perez Comendador (Paris): Ceia do Natal (n.28) e Família Chinesa (n.29); Francisco Llorens (Corunha): A ria do Minho (n.30) e A praia de Sada (n.31); Juan Luis López (Santiago de Compostela): Mulheres na praia (n.32); Francesc Marsà Figueras (Lérida): Natureza morta (n.33); Enrique Martinez Cubells (Madrid): À hora da comida (n.34); Eduardo Martínez Vázquez (Ávila): Neblina (n.35) e Pastores de Gredos (n.36); Lluis Masriera (Barcelona): Natureza morta (n.37) e O almoço do adêlo (n.38); Anselmo Miguel Nieto (Valladolid): Nú (n.39); Júlia Minguillón (Lugo): A escola da Doloresinhas (n.40); Julio Moisés (Tarragona): Retrato de senhora (n.41); Luis Mosquera (Corunha): Natureza morta (n.42); Victor Moya (Valência): Vida interior (n.43); Luis Muntané Muns (Barcelona): Nú (n.44); Ricardo Navarro Poves (Valência, residente em Lisboa, discípulo do pintor francês Louis Maistre): Quinta-Feira Santa em Espanha (n.45); Francisco Nuñez Losada (Salamanca): Paisagem de Liébana (n.46); Jacint Olivé (Barcelona): O Baleares (n.47); Benjamin Palencia (Albacete): Toledo (n.48); Rafael Pellicer Galeote (Madrid): Vindima (n.49); Rafael Peñuelas (Canárias): Tipos Leoneses (n.50); Gregorio Prieto (Ciudad Real): Taormina (n.51); Pere Pruna (Barcelona): Nú (n.52); Dario de Regoyos (Astúrias): Galinheiro (n.53); Manuel Ricart Serra (Barcelona): Neblina (n.54); Ramón Rogent i Perés: Verão (n.55); Marceliano Santa Maria (Burgos): Calle de Puentedura (n.56), Pancorbo (n.57) e Salceda de Arlanzón (n.58); José Maria Sert (Barcelona): Biombo (de oito fôlhas) (n.59); Joaquín Sorolla (Valência): Retrato de Maria Guerrero (n.60), Retrato de Beruete (n.61), Crianças na praia (n.62) e A entrada das Barcas (Valência) (n.63); Joaquim Sunyer (Barcelona): Maria Dolores (n.64); Josep de Togores (Barcelona): Nú (n.65); Gregorio Toledo (Canárias): A Rapariga do colar (n.66) e À Varanda (n.67); Joaquín Valverde (Sevilha): Ontem (n.68); Evaristo Valle (Astúrias): Espigueiro (n.69); Joaquín Vaquero (Oviedo): Demolição (n.70) e Arrabalde (n.71); Rafael Vázquez Aggerholm (Madrid): Costa de Malhorca (n.72); Daniel Vázquez Díaz (Nerva, Huelva, o catálogo erra no primeiro nome do artista, que refere como "Manuel" e na sua cidade natal, que indica como sendo "Nava"): Damas del Andévalo (Huelva) (n.73), Retrato de Zuloaga (n.74) e Retrato do Padre Sancho (n.75); Rosario de Velasco (Madrid): Adão e Eva (n.76); Eduardo Vicente (Madrid): Senhora de Biosca (n.77); Antonio Vila Arrufat (Barcelona): Intimidade (n.78); Juan Vila Puig (Barcelona): San Cugat del Vallés (n.79); José Ramón Zaragoza (Astúrias): Velhos Bretões (n.80); Ramón Zubiaurre (Biscaia): Marinheiro vasco (n.81); Valentín Zubiaurre (Madrid): Versolaris (n.82); Ignacio Zuloaga (Guipuzcoa): Torerillos de Pueblo(n.83), Montes de Catalayud (n.84) e Retrato do pai do artista (n.85).
- Escultura: Luis Benedito (Valência): Capra Hispanica (n.1); Mariano Benlliure (Valência): El Encierro (n.2), O Duque de Rivas (n.3), Señorita de Sangroniz (n.4) e Busto do escultor Teixeira Lopes (n.5); José Capuz (Valência): Nú (n.6) e Torso (n.7); Josep Clarà (Gerona): Cabeça de jovem (n.8); Pablo Gargallo (Barcelona): Homem (n.9); Moisés de Huerta (Valladolid): Piedade (n.10); Mateo Inurria (Córdova): Torso (n.11); Julio Antonio (Tarragona): O Cabreiro (n.12) e O Mancebo (n.13) (ambos da série “Bustos da Raça”); Fructuoso Orduna (Navarra): O Generalíssimo Franco, Caudilho de Espanha (n.14); Enrique Perez Comendador (Cáceres): Busto de mulher (n.15) e Figura de mulher (n.16); Margarida Sans Jordí (Barcelona): A Rapariga do pássaro (n.17).
O catálogo reproduz os seguintes quadros: Rapariga à janela (n.1) de Aguiar; Retrato da filha do artista (n.3) de Álvarez de Sotomayor; «Andares gitanos» (n.8) de Anglada Camarasa; Retrato de Conchita Piquer (n.11) de Benedito; A garrafa verde (n.16) de Durancamps; A visita do Senhor Bispo (n.20) de Solana; Festa de aldeia (n.21) de Hermoso; Retrato da irmã do artista (n.27) de Legísima; A escola da Doloresinhas (n.40) de Minguillón; Retrato de Senhora (n.41) de Moisés; Vida interior (n.43) de Moya; Nú (n.44) de Muntañé; Toledo (n.48) de Palencia; Vindima (n.49) de Pellicer; Nú (n.52) de Pruna; O galinheiro (n.53) de Regoyos; Pancorbo (n.57) de Santa Maria; Retrato de Beruete (n.61) de Sorolla; Nú (n.65) de Togores; Demolição (n.70) de Vaquero; Retrato de Zuloaga (n.74) de Vázquez Díaz; Intimidade (n.78) de Vila Arrufat; Marinheiro vasco (n.81) de Ramón Zubiaurre; «Versolaris» (n.82) de Valentín Zubiaurre; Retrato do pai do artista (n.85) de Zuloaga. E as seguintes esculturas: Torso (n.7) de Capuz; Cabeça de jovem (n.8) de Clará; Torso (n.11) de Inurria; e O Cabreiro (n.12) de Julio Antonio.
Dos setenta e três pintores participantes, apenas vinte e quatro não tinham recebido até ao momento, qualquer tipo de medalha (1ª, 2ª, 3ª classe, ou de Honra) em exposições nacionais espanholas, sendo eles: Anglada Camarasa, Ismael Blat, José Campillo, Rafael Durancamps, Mariano Fortuny y Madrazo, Hidalgo de Caviedes, Magdalena Leroux de Perez Comendador, Lluis Masriera, Miguel Nieto, Ricardo Navarro Poves, Jacint Olivé, Rafael Peñuelas, Gregorio Prieto, Pedro Pruna, Dario de Regoyos, Ricart Serra, Ramón Rogent i Perés, José Maria Sert, Sorolla, Sunyer, Togores, Evaristo Valle, Rafael Vázquez Aggerholm e Ignacio Zuloaga. Dos onze escultores representados, apenas Pablo Gargallo, Mateo Inurria, Julio Antonio e Margarida Sans Jordí não têm referências de medalhas ganhas em exposições nacionais espanholas. Tanto na pintura como na escultura, é de notar, pelos títulos das obras, a quase exclusividade das temáticas do retrato, do nu e da paisagem. Nenhuma das obras referidas no catálogo está datada.
Desde o dia 25 de Outubro de 1943 que Francisco Sanchéz Cantón (subdiretor do Museu do Prado), e o arquiteto Francisco Íñiguez Almech (Comissário Geral do Património Artístico Nacional espanhol) se encontravam em Lisboa, com o propósito de organizar uma exposição de arte contemporânea espanhola na Sociedade Nacional de Belas Artes[5]. O Diário de Lisboa, informando os seus leitores desta visita, salientou a sua importância, ao tratar-se de um “notável acontecimento que dev(ia) interessar, profundamente, os meios plásticos e literários nacionais”. No dia 26 de Outubro, lia-se no mesmo periódico que a exposição deveria inaugurar-se a 1 ou 2 de Novembro de 1943, “aproveitando-se a decoração habitual do palácio Barata Salgueiro”. Seriam expostas cerca de sessenta e oito pinturas, quase todas de grandes dimensões, e vinte esculturas - no final, a exposição inaugurou-se a 10 de Novembro, e foram expostos oitenta e cinco quadros e dezassete esculturas -, sendo que “metade das obras pertenc(ia) ao Museu de Arte Contemporânea, de Madrid. Entre outros, figura(va)m Sorolla, com a sua visão deslumbrante de cor; Regoyos, moderníssimo, mas vincado de espanholismo; Zuloaga, o mago dos azuis; Sottomayor, de vibração goyesca; Benedicto, Moisés, Vázquez Diaz, e os catalães Togores, Sunyer, Frau, Vila Arrujat, Vila Puig, etc. As escolas de Sevilha e de Valência, embora não tenham tantos trabalhos, são também mostradas ao público. Entre os escultores figuram Inurria , medalha de ouro em Espanha, ainda de sabor clássico, e o famoso Julio Antonio, de construtivismo realista”[6].
A inauguração da Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943) foi visitada por figuras dos mais altos cargos políticos: Óscar Carmona (Presidente da República), Nicolau Franco (embaixador de Espanha em Portugal), Ministro da Educação Nacional, Ministro da Marinha, Ministro das Finanças, o Conde Montefuerte (ministro conselheiro da embaixada de Espanha), presidente da Câmara Municipal, D. João de Macedo (representante do governador civil), embaixador de Inglaterra, ministro da Alemanha, Júlio Dantas (presidente da Academia das Ciências), Reynaldo dos Santos (presidente da Academia de Belas Artes), toda a direção da Sociedade Nacional de Belas Artes, incluindo o seu presidente Arnaldo Ressano Garcia, o general Peixoto e Cunha (vice-presidente da Assembleia Nacional), e altos funcionários da embaixada de Espanha como Jesus Suevos, Francisco Iñiguez e Francisco Romero, para além de numerosos artistas e escritores: "Tudo o que a cidade tem de mais representativo – artistas, escritores, diplomatas, políticos, jornalistas – compareceu na Exposição, numa parada de fraques e lapelas floridas"[7].
“O CHEFE DO ESTADO E ALGUNS MEMBROS DO GOVERNO, NA INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO DE ARTE MODERNA ESPANHOLA”. A obra representada em segundo plano é "A escola da Doloresinhas" (n.40) de Júlia Minguillón. Estão identificados com numeração, no álbum nº89 d'O Século a que pertence a fotografia: Dr. Mário de Figueiredo; general Carmona; D. Nicolau Franco. Imagem: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
No dia da inauguração, Francisco Sanchéz Cantón, o organizador da exposição e subdiretor do Museu do Prado salientou, no seu discurso junto do busto do Generalíssimo Franco, Caudilho de Espanha (n.14) de Fructuoso Orduna, o papel da exposição para “firmar ainda melhor a amizade luso-espanhola (...), enaltecendo aquele abraço espiritual das duas pátrias”[8]. O mesmo objetivo da exposição é referido pela Revista Municipal de Lisboa, que contextualizou a iniciativa da exposição “Dentro do programa e intenções dos Governos Português e Espanhol” continuando, assim, “a política de aproximação e amizade entre os dois países, (...)”[9]. São referidas outras iniciativas que fizeram parte do programa de aproximação, nomeadamente, a Viagem pelo Tejo[10], e a criação do Lusitano - Expresso, um comboio rápido que faria o trajeto Lisboa - Madrid em 14 horas: “Todos estes acontecimentos serviram de pretexto para afirmação de maior apreço e amizade mútua entre portugueses e espanhóis, dentro da certeza de que são inconfundíveis as fronteiras que os separam.”
Para esta exposição, e de forma que fossem mostradas, com a "maior exatidão, as tendências artísticas do período em questão", foram escolhidas, com poucas exceções, obras de artistas vivos e ativos no momento da exposição. As exceções dizem respeito a dois pintores, Joaquín Sorolla e Darío de Regoyos, e a dois escultores, Julio Antonio e Mateo Inurria, e justificam-se pelo seu papel de “antecedentes gloriosos e explicação histórica de modalidades posteriores”[11]. A Sorolla dá-se maior protagonismo, ao “encabeçar-se” a exposição com quatro telas suas, “porque o seu triunfo na Exposição Universal de Paris de 1900 teve uma significação e uma importância, todavia não devidamente apreciadas, no desenvolvimento pictórico subsequente”. O prefácio do catálogo defende que o quadro Crianças na praia (n.62) e o “retrato do crítico e paisagista D. Aureliano Beruete” (Retrato de Beruete, n.61), ambos exibidos nesta exposição e na de 1900, demonstram que a obra de Sorolla não se tratava de um “mero impressionismo”[12].
O catálogo cita Salomón Reinach, historiador da arte, que partilhou na sua obra Apollo a crença de que surgiria em Espanha a figura artística do século XX. O autor do prólogo deste catálogo afirma que talvez não tenha sido possível verificar a profecia até ao momento, dada ausência de perspetiva e distância históricas, embora fosse ainda possível que tal acontecesse na restante metade do século, visto que “não é lícito duvidar que, em número e qualidade, os artistas espanhóis das últimas décadas não ficam abaixo dos de nenhuma das épocas precedentes, salvo da que gozou a coincidência milagrosa de reunir Velázquez, Zurbarán, Ribera e Murillo”.[13]
O panorama da arte espanhola do momento é descrito como amplo e tão variado como o próprio “solo peninsular”, revelando “dentro da sua multiformidade caracteres inconfundíveis, que exprimem a sensibilidade do nosso povo”. Para o autor do prefácio, o panorama espanhol demonstrou que até as obras dos artistas mais jovens provam que se tinha superado a “crise artística mundial, renovadora e violenta, de há um quarto de século, da qual, aliás, alguns espanhóis haviam de ser fatores decisivos”[14]. O leitor do catálogo e/ou visitante da exposição é advertido para o facto de que quaisquer lacunas que se possam sentir no conjunto de artistas não resultam de “exclusivismos técnicos ou estéticos”, mas sim por dificuldades de ordem prática. Tais lacunas não escaparam à análise da imprensa:
Tem-se notado que, tratando-se duma exposição de moderna pintura espanhola, Picasso aí não figura. Fomos encontrar a explicação desta ausência na entrevista que ontem o sr. Sánchez Cantón concedeu ao crítico de arte sr. Luiz Reis Santos, ao microfone da Emissora Nacional. Ei-la: os únicos quadros de Picasso que a Espanha possui, encontram-se no Museu de Barcelona. Tornou-se impossível remover certas dificuldades administrativas, e, só por isso, Picasso não se apresenta neste certame.[15]
Para a realização da exposição em Lisboa, abriram-se as portas, “regulamentarmente herméticas”, do Museu Nacional de Arte Moderna, em Madrid. Cederam quadros: Duque de Alba, D. Julio Muñoz de Aguilar, Chefe da Casa Civil do General Franco, D. Cristobal de Castillo, Marquês de Lozoya, M. Feduchi e D. Maria Bauzá de Rodriguez, e enviaram obras artistas “que habitualmente não mandam trabalhos seus às exposições”.[16]
Voltando à inauguração da exposição, Sánchez Cantón declara no seu discurso[17] que “alguns dos nomes que assinam as obras expostas, após o grande drama que há poucos anos avassalou a Espanha, regressaram aos caminhos da Arte”: a pintura espanhola contemporânea tinha ultrapassado os “extremismos”, agora ausentes em Espanha mas ainda subsistentes em França, e a “lição dessas escolas” havia servido para renovar a “tradição plástica castelhana”, resultando numa prática artística caracterizada pela
procura substancial da ideia e um desenho vigoroso, considerando-se a cor um elemento secundário. Entre o realismo, o ímpeto das tintas, qualidades dominadoras de Goya, de que os primeiros contemporâneos são, no tempo e na maneira, continuadores diretos de Goya e um equilibrado modernismo dos últimos, de sabor castiço, se deve situar o ambiente da (...) exposição[18].
N’O Século[19], C.A. elogia a arte espanhola exposta que, numa “época de confusão de valores, de maneiras velhas, que se pretendem novas, de impotências manifestas que se põem em bicos de pés; duma arte cada vez mais desumanizada e artificializada”, onde se vê o “abandono quase sistemático do desenho e do canhestro manejo da paleta”, surge como “uma vigorosa lição plástica de nítido sentido nacional, tradicionalista na experiência dos mestres e evolutiva dentro das modernas aquisições técnicas, documentando uma profunda e eloquente expressão racial”. E continua: “No estúdio da S.N.B.A. não se ouve agora o grito estrídulo e empolgante dos modernistas à maneira de Picasso. Está exposta arte clássica sóbria, quanto possível achegada às lições dos Maiores”. Para o crítico, esta exposição revela “aspetos multiformes de um espanholismo” que expressam uma “manifestação superior de pura arte (...) nas suas características singulares”. As oitenta e cinco telas expostas eram
cheias de carácter (...), seriedade da sua escola no requintado sabor pictural dos seus modelos humanos – gente de Espanha, na emoção de certos quadros íntimos, na poesia das paisagens e marinhas, a existência de um engenho racial que se prolonga da sucessão gloriosa dos Velázquez, de Goya, de Murillo. Ali, mais do que geograficamente, está a Espanha, a dos «lienzos» de Goya, a do «siglo de oro» de Velázquez, e até, nos negros melancólicos de Solana, algo da de Ribera.
O crítico destaca, entre as “quatro telas maravilhosas” de Joaquín Sorolla, o Retrato de Beruete (n.61), Crianças na praia (n.62) – “pelo seu desenho, cor e luz” –, e o Retrato de Maria Guerrero (n.60) – “pelo seu perfume clássico”, sendo “um dos vértices máximos do certame”. De Zuloaga distingue “um admirável retrato paterno” (Retrato do pai do artista, n.85) e Torerillos de Pueblo (n.83), “formidável composição regionalista”. O quadro Versolaris (n.82) de Valentín Zubiaurre é “um dos momentos mais agradáveis da visita à exposição”, e a “magnífica tela” de Eugenio Hermoso Festa de aldeia (n.21) é “muito decorativa e de grande sabor popular”. Na escultura, A.C. destaca El encierro (n.2) de Mariano Benlliure, o Torso (n.11) de Mateo Inurria, e duas obras da série Bustos de raça de Julio Antonio: Um cabreiro (n.12) e Um mancebo (n.13). Ressalta ainda o Biombo (de oito folhas) (n.59), de José Maria Sert, “uma bela realização decorativa” de laca a negro e ouro que ocupou a parede central do salão do meio. A falta de espaço faz com que o redator termine as citações, que “seriam intérminas”.
De facto, no diário madrileno ABC, publicou-se um artigo de Marino Rico[20], seu correspondente em Lisboa, onde o crítico aponta as “telas maestras” que mais interesse despertaram no público português: Torerillos de Pueblo (n.83) de Ignacio Zuloaga, o Retrato de Beruete (n.61) de Joaquín Sorolla, A visita do Senhor Bispo (n.20) de Gutierrez Solana, Versolaris (n.82) de Valentín Zubiaurre, o Retrato da filha do Duque de Alba (n.5) de Fernando Álvarez de Sotomayor, e o Retrato do Padre Sancho (n.75) de Daniel Vázquez Díaz.
C.A., nas páginas d’O Século, refletiu sobre a possibilidade de existir, tal como esta exposição de arte espanhola veio mostrar, um “paralelismo correspondente a afirmar, substantivamente, uma escola, uma época, e uma soma de valores” em Portugal – uma reflexão inexistente no meio português, um problema que o crítico qualifica de “gravíssimo”, dado que “os críticos, como Pôncio Pilatos, lavam as mãos, denegando culpa ou intenção, à espera que a posteridade lavre o justo «veridictum»”. Já outro redator anónimo, mas do mesmo periódico[21], propõe a realização de uma de arte portuguesa contemporânea em Madrid:
Se o vaticínio de Salomão Reinach, no seu «Appolo», se não cumpriu ainda com o aparecimento na região hispânica do grande artista plástico que dominaria o século, o que se está provando, dia a dia, na pátria dos grandes trágicos da pintura é que uma geração de artistas, nesta primeira metade da centúria, vem caminhando no sentido de produzir, senão esse individualismo dominador, pelo menos um grupo notabilíssimo de mestres, que, sem se encerrar ferozmente dentro do seu tradicionalismo, tapando os olhos ao ensinamento do exterior e defendendo o seu temperamento rácico de pintores, guarda ainda no sangue e na visão, porque tal lhe vem da paisagem da terra e da paisagem das almas, um caráter inconfundível. (...) Para que esta exposição fosse a cabo foi muito – generosidade e confiança de uns, facilidades e simpatia de outros; mas desse muito o Maior está decerto na conjunção da fidalga cortesia, bem de amigos, que, encontrando o nosso afeto, gerou o ensejo de preparar e de efetuar esta exposição de arte, dando-a como brinde de Inverno, quási um «regalo de novidad», aos nossos olhos curiosos e encantados. E se Portugal – que o pode fazer – fosse a Espanha pagar esta visita? E se fôssemos, também, dar aos olhos de Madrid, o panorama dos últimos 50 anos da pintura e da escultura portuguesas. A sugestão aí fica.
No dia 27 de Novembro, a Sociedade Nacional de Belas Artes realizou uma conferência acerca de “Algumas considerações sobre a arte e vida de Sorolla”, proferida pelo arquiteto Mário Gonçalves de Oliveira[22]. A exposição foi encerrada, a 29 de Novembro, com uma sessão de homenagem aos artistas espanhóis que nela participaram[23], presidida pelo conde de Montefuerte e onde também estiveram presentes Armando de Lucena, Ressano Garcia, Eugenio Montez (diretor do Instituto Espanhol), António Couto, João Valério e Alfredo Cândido. Armando de Lucena[24] “recordou (...) a rápida digressão por certo movimento de arte francesa, a influência peninsular exercida na obra de Bonat, Segnault e Carolus Duran, tornados, mercê desse contágio espiritual, brilhantes coloristas” fazendo, de seguida, uma análise das tendências e evolução da arte espanhola. “Por fim, fez uma evocação do milagre de Goya até o naturalismo de Sorolla, «porta de entrada deste certame, que serviu de pretexto à cerimónia»”.
Eugenio Montez afirmou, no seu discurso, que a “pintura moderna mundial” teria sido inspirada pela pintura espanhola e que, por outro lado, os “primitivos” portugueses teriam tido os seus continuadores nos artistas espanhóis. Concluiu com a afirmação da sua vontade de que “Portugal levasse a Espanha os valores mais representativos da sua arte”, acontecimento sem o qual esta exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes não teria completado a sua missão. Ressano Garcia elogiou a exposição e agradeceu às entidades espanholas e portuguesas “as facilidades concedidas para que o certame se realizasse”[25], anunciando ainda “o convite feito pelo governo espanhol para se efetuar em Madrid idêntica exposição portuguesa”, pensada para a primavera seguinte (1944) e para o qual já se estaria a trabalhar. O conde de Montefuerte encerrou o evento com agradecimentos pelo acolhimento português e anunciou a inauguração da mesma exposição na cidade do Porto.
[1]Anónimo, «Exposição de arte espanhola», Panorama. Revista Portuguesa de Arte e Turismo, Dezembro de 1943.
[2]Anónimo, 55.
[3]Sociedade Nacional de Belas Artes, ed., Catálogo da Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943) (Lisboa: Bertrand (Irmãos), LDA., 1943).
[4]Sociedade Nacional de Belas Artes, Catálogo da Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943).
[5]Anónimo, «A Exposição de Arte Espanhola inaugura-se, amanhã, na Sociedade de Belas Artes», O Século, 9 de Novembro de 1943.
[6]Anónimo, «Uma exposição de arte moderna espanhola no palacio de Barata Salgueiro», Diário de Lisboa, 26 de Outubro de 1943, 2a edição, 5.
[7]Anónimo, «O Sr. Presidente da República inaugurou a Exposição de Arte Moderna Espanhola», O Século, 11 de Novembro de 1943, 2.
[8]Anónimo, «O Chefe do Estado inaugurou a Exposição de Arte Espanhola», Diário de Lisboa, 10 de Novembro de 1943, 2 edição, 4.
[9]Anónimo, «Aproximação Luso-Espanhola», Revista Municipal. Publicação Cultural da Camara Municipal de Lisboa, 4o Trimestre de 1943, 63.
[10]Refere-se à expedição, realizada por doze estudante universitários espanhóis em seis canoas, percorrendo o Tejo entre Toledo e Lisboa, numa distância total de 650 kms. A expedição começou no dia 1 de outubro de 1943 e terminou a 17 de outubro, com a sua receção no Palácio da Independência pelo comissário nacional da Mocidade Portuguesa. Anónimo, «De Toledo a Lisboa. Os estudantes espanhois chegaram hoje a Abrantes», Diário de Lisboa, 13 de Outubro de 1943, 7; Anónimo, «Pelo Tejo fora... Foram festivamente recebidos os estudantes espanhóis que vieram de Toledo navegando em canoas de borracha», Diário de Lisboa, 17 de Outubro de 1943, 4.
[11] Sociedade Nacional de Belas Artes, Catálogo da Exposição de Pintura e Escultura Espanholas (1900-1943), 5.
[12] Sociedade Nacional de Belas Artes, 5.
[13] Sociedade Nacional de Belas Artes, 5.
[14] Sociedade Nacional de Belas Artes, 6.
[15] Anónimo, «O Sr. Presidente da República inaugurou a Exposição de Arte Moderna Espanhola», O Século, 11 de Novembro de 1943, 2.
[16] Sociedade Nacional de Belas Artes, 6.
[17] Anónimo, «O Sr. Presidente da República inaugurou a Exposição de Arte Moderna Espanhola», O Século, 11 de Novembro de 1943, 2.
[18] Anónimo, «Uma exposição de arte moderna espanhola no palacio de Barata Salgueiro», Diário de Lisboa, 26 de Outubro de 1943, 2a edição, 5.
[19] C.A., «Inaugura-se hoje na Sociedade de Belas Artes a exposição da moderna arte espanhola», O Século, 10 de Novembro de 1943, 2.
[20] Marino Rico, «El arte español en Portugal», ABC, 12 de Novembro de 1943, 12.
[21] Anónimo, «À Exposição de Arte Espanhola em Lisboa poderíamos corresponder realizando em Madrid uma outra com idênticas características», O Século, 29 de Novembro de 1943, 4.
[22] Anónimo, «Sociedade de Belas Artes», Diário de Lisboa, 26 de Novembro de 1943, 2 edição.
[23] Anónimo, «Exposição de Arte Espanhola», Diário de Lisboa, 27 de Novembro de 1943, 2a edição.
[24] Anónimo, «Exposição de arte espanhola», Diário de Lisboa, 28 de Novembro de 1943, 2a edição.
[25] Anónimo, «Encerrou-se a Exposição de Arte Contemporânea Espanhola», O Século, 30 de Novembro de 1943, 6.