JOSÉ OLIVELLA BRAÑA (1874-1958)
1943
Maio
- Exposição no Ateneu Comercial de Lisboa
Entre os dias 5[1] e 12[2] de Maio de 1943, o artista espanhol José Olivella Braña realizou uma exposição de caricaturas de individualidades “de todo o mundo” no Ateneu Comercial de Lisboa. O artista, que tinha exposto em Santiago do Chile, Buenos Aires, Montevideu e várias cidades espanholas, expôs mais de uma centena de obras, que foram “muito apreciadas”[3]. Na inauguração, esteve presente Silva Monteiro, em representação do Chefe de Estado[4].
N’O Século, informam-se os seus leitores que a “extensa galeria” de caricaturas de Olivella contém várias figuras nacionais, como Óscar Carmona, Oliveira Salazar e Duarte Pacheco, que se juntam às de “tipos espanhois de nomeada”, como Francisco Franco, José María Gil-Robles, Alejandro Lerroux, Ramón del Valle-Inclán, e “outras de personagens puramente internacionais, como o rei de Inglaterra, o «Negrus», os generais Montgomery e Giraud e tantos outros”[5].
No mesmo periódico, diz-se que Olivella, que “não (era) um artista moço, nem na idade, nem nos processos artísticos”, praticava “retratos caricaturais” há quarenta anos. E segue-se uma descrição detalhada do seu processo de criação:
(...) sobre uma fotografia ou sobre o desenho de uma ilustração, o artista faz um esboço, mais ou menos feliz no que respeita à parecença do modelo. Depois, reflete a sua criação num espelho, ora concavo, ora convexo e desenha definitivamente a caricatura, ou antes o retrato caricaturado, segundo os dislates de proporção que resultem da projeção, e que lhe dão o único sentido humorístico do desenho. Naqueles que estão expostos, consegue, na grande maioria dos casos a sua única ambição: as caricaturas parecem-se com os modelos que ele foi copiar aos retratos.
No artigo de Adriano de Gusmão[6] sobre esta exposição, o crítico desenvolve uma distinção entre dois tipos de “retrato-caricatura”: o primeiro, que define como uma arte superficial, “quando somente se deforma o aspeto exterior do indivíduo”, é o mais comum e representa uma prática “mais fácil, (a) mais direta, de êxito imediato e, até certo ponto, inofensiva”; o outro tipo diz respeito a uma caricatura “profunda”, que resulta da captação e revelação de traços psicológicos da figura retratada, “já com imaginação, já com espírito satírico”. Este “espírito satírico” é a origem do valor social e do carácter moralizante e combativo da caricatura “profunda”, e a sua criação pressupõe “coragem” do seu autor, “para enfrentar as piores consequências, do seu amor à verdade e à virtude”, já que “a sua carreira é bem exposta a perseguições e mal-querenças (sic), - tudo pelo seu irreprimível e independente amor à verdade, em benefício da maioria”.
Para Gusmão, algumas das obras de Olivella estão mais próximas “do retrato do que da caricatura”, nomeadamente “a cabeça de índio peruano”. Embora existam outros desenhos em que “a intenção da caricatura não pode ser posta em dúvida”, nem sempre ela resulta, “por o artista recuar perante a deformação ou o exagero das feições, ou a análise psíquica do modelo”, referindo-se ao “quási (sic) retrato” de Augusto de Castro, por exemplo. “Algumas outras, como a do Dr. Reinaldo dos Santos, a do escritor Aquilino Ribeiro ou a do escultor Diogo de Macedo, não têm flagrância.” Assim, relembrando a distinção inicial entre os dois tipos de “retrato-caricatura”, para Gusmão as obras de Olivella pertencem ao tipo superficial, dado que o artista “não carrega sobre o caricaturado nem sobrecarrega com traços o seu desenho”, acusando “somente a semelhança da maioria dos seus motivos caricaturais com traços bem marcados e massas bem visíveis, num hábil jogo fisionómico”. E deixa um conselho:
Na caricatura pessoal o artista não há de ter o cuidado do tal qual próprio dum retratista qualquer da moda, mas tem de guardar do caricaturado aqueles traços expressivos que o caracterizam e identificam entre a multidão. O caricaturista tem um caminho fecundo na procura da síntese dum rosto, duma cabeça – daquilo que é como que a forma essencial, para depois a amachucar, a amolgar, a estender, torcê-la, conservando sempre o identificável sem hesitações. Apanhada a essência, a forma primitiva e pessoal permanece através das vicissitudes dum lápis humorístico.
Para Gusmão, o “desembaraço da fatura” dos desenhos do artista espanhol revela “não só larga experiência como invulgares faculdades de realização”. No entanto, a crítica global de Gusmão sobre a exposição de Olivella não é positiva, alegando falta de originalidade:
Raras vezes o caricaturista compõe a caricatura em todo o seu poder de originalidade. Apenas duas caricaturas nos satisfazem como tal; a de Gandhi, que está engraçada e bem feita, se bem que não seja verdadeira: o «mahatma» não é mero espantalho...; e a do nosso Ministro das Obras Públicas, num exagero e deformação felizes, por meio duma expressão plástica um tudo nada cubista.
O crítico atribui esta falta de ousadia a um certo nível de censura que terá sido exercido pelas revistas em que Olivella colaborara até ao momento, dado o capital social das figuras retratadas:
Olivella, porém, segue perto demais as pessoas. O seu desenho acompanha a forma e a sua cor procura o volume das várias individualidades que conhece ou entrevê. São muitos os homens públicos, reis, ministros e políticos de várias cores que foram desenhados pelo seu lápis; artistas de teatro e cinema; escritores e poetas. (...) Artista muito prático, decerto, na execução dos seus desenhos, não fere as suas vítimas, já por temperamento, já por razões de publicidade. As próprias revistas onde colabora não permitiriam caricaturas que fossem mais longe, ao trazer ao primeiro plano das suas páginas essas notoriedades da política, da arte ou das letras – muitas delas, certamente, passageiras.[7]
[1] C.A., «Exposição do caricaturista José Olivella, no salão do Ateneu Comercial», O Século, 6 de Maio de 1943, 4.
[2] Anónimo, «Exposição de caricaturas», Diário de Lisboa, 8 de maio de 1943.
[3] Anónimo, «Exposição de caricaturas», 7.
[4] C.A., «Exposição do caricaturista José Olivella, no salão do Ateneu Comercial», 4.
[5] C.A., «Exposição do caricaturista José Olivella, no salão do Ateneu Comercial», 4.
[6] Adriano de Gusmão, «No Ateneu Comercial Caricaturas de Olivella», Seara Nova, 15 de Maio de 1943.
[7] Gusmão, «No Ateneu Comercial Caricaturas de Olivella», 91.