Exposição individual de margot valls llopart na galeria a. molder, lisboa (10.1943)
A 9 de Outubro de 1943, Adriano de Gusmão informa-nos, na páginas da Seara Nova, da inauguração na Galeria A. Molder (Rua 1 de Dezembro n.101, 3º andar; Filial Rua Rodrigues Sampaio, n. 136[1]), de uma “longa colecção de desenhos da artista catalã Valls Llopart”. O meio de expressão da artista, neste caso o desenho - Gusmão prefacia o seu artigo com uma longa distinção entre os conceitos de desenho-design e desenho-drawing, assim como entre desenho preparatório e desenho como fim em si mesmo -, é visto como incomum: “Se ele (o artista) envereda por uma maneira não comum lã está, porém, o espectador-crítico para avaliar do êxito dessa experiência ou do interesse real duma linguagem inédita, quando sinceramente exteriorizada.”[2]
Gusmão justifica o seu juízo negativo: "Valls Llopart emprega nos seus inúmeros e monótonos desenhos um traço serpentino que lembra por vezes o gráfico dum sismógrafo. E até certo ponto pode êste processo ser o documento duma vibratilidade especial da artista espanhola, e então quási interpretaríamos os seus desenhos como um cardiograma...”. Para o crítico, embora encontre uma “certa alegria vazia e fútil nêsses traços que são atirados daqui para além, cruzando o espaço, emaranhando-se neste ou naquele pedaço mais sólido que estrutura alguns dos desenhos (...)”, os desenhos da artista lembram ao crítico da Seara Nova uma “festa carnavalesca”, devido à “guisalhada”, à “gritaria” e ao “ruído inútil e escusado dentro daqueles cartões brancos":
O desenho dispersa-se, dissolve-se numa matéria movediça, sobretudo se nos aproximamos dos quadros. Só a distância os volumes se precisam e iludem; um pouco como na pintura. Poderia, portanto, supor-se que se trata dum desenho de pintor. Mas não; este desenho é de quem só quere ser desenhista, mas sem as virtudes naturais. Procurar a originalidade com um processo invulgar é mais fácil do que ser-se original com uma expressão cuja existência e prática tem séculos atrás de si. / Pode um processo engraçado e extravagante obter certo êxito entre os desprevenidos, mas o tempo, quanto mais não seja, não o deixará durar.
A razão para o falhanço da artista: o desenho é uma arte de uma soberba economia e concentração dos “caracteres essenciais” das suas formas; é uma “síntese expressiva da realidade”, onde a linha está desprovida de “invólucros farfalhantes” e “sinuosidades de malabarismo”: “Ora em Llopart o desenho submerge-se num delírio de linhas, que o obscurecem e sobrecarregam. Em vez de clareza, a confusão; em vez da forte linha necessária, a supérflua e oca.” Para além disso, a “verdade anatómica” dos seus desenhos é também insuficiente, comprometendo “fatalmente a realidade contemplada ou retratada”:
Muitos dos desenhos são retratos femininos, mas a futilidade e deshumanidade (sic) deles é imediatamente manifesta. Aqui, não é só o processo que põe em risco a expressão artística; é a própria artista que não possui penetração humana, curiosidade psicológica, para sacar o interesse dum rosto. Assim, estes desenhos, além de monótonos pela repetição da forma e dos motivos, não alcançam em Arte um nível satisfatório.
[1] Diário de Lisboa, 16 de Dezembro de 1943, 2ª edição, 2.
[2] Adriano de Gusmão, «Desenhos de Valls Llopart», Seara Nova, 9 de outubro de 1943, 113.