Exposição de daniel vázquez díaz no salão da ilustração portuguesa, lisboa (12.1.1923-23.1.1923)
No dia 12 de Janeiro de 1923[1], Vázquez Díaz inaugurou a sua primeira exposição individual em Portugal, organizada pela revista A Contemporânea[2], no salão da Ilustração Portuguesa[3]. A mostra contou com a assistência de “el ministro de España, el personal de la Legación, el Cuerpo diplomático, estamentos oficiales portugueses, entre ellos, el ministro portugués de Instrucción Pública, y muchos artistas y literatos”[4], e foi visitada pelo Presidente da República António José de Almeida a 23 de Janeiro, acompanhado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, João Henriques de Almeida[5], por ocasião do encerramento da exposição[6].
O catálogo não foi encontrado mas, de acordo com Berruguete del Ojo, as obras expostas por Vázquez Díaz, cerca de trinta quadros, gozavam de um certo caráter retrospetivo: um grupo de retratos a lápis, já famosos no meio espanhol, de personalidades da cultura espanhola e internacional; uma série de águas-fortes; reproduções de algumas das suas obras mais famosas – como Dolor/La muerte del torero e Los ídolos –; e os quadros Retrato de la esposa del pintor, Tierra Vasca/El Mar, El Cartujo, Retrato del abogado Enríquez, Madre Campesina/El Idolillo, Retrato del Dr. Victor Domingo Silva, La familia/Maternidade/La familia del marinero e La Madre[7].
Em finais de Agosto de 1922, circulou na imprensa espanhola a notícia da partida de Daniel Vázquez Díaz para Lisboa e Porto, para preparar uma exposição a convite de um “grupo de artistas y escritores de la vecina República”[8] que, “deseosos de dar a conocer a sus compatriotas la interesante personalidad artística de Vázquez Díaz, han invitado a este a exhibir sus trabajos en las dos capitales antedichas”[9]. Nos periódicos espanhóis, esta viagem foi entendida enquanto uma “digressão diplomática”, e Vázquez Díaz descrito como um “embaixador”:
(...) Vázquez Díaz, pintor, va a Portugal en embajada de arte. Arte e iberismo deben saludar con igual júbilo esta embajada en la que es embajador un artista y de la que es prestigiosa credencial una obra amasada con luz, colores y espíritu vivo de España. Vázquez Díaz será el representante más genuino de España, porque son los hombres que despliegan una idealidad personal y dinámica, quienes más dignamente representan a una patria. Las patrias son, en definitiva, obra suya, aun cuando viven inconscientes de los valores nuevos que aquellos hombres les estan infundiendo. La obra de (...) Vázquez Díaz tiene, entre otros, un signo claro de madurez: suscita la sorpresa y aun el escándalo de los “tradicionalistas” y defrauda a los “revolucionarios”. Equidista del estancamiento afectado de forma y concepción artística y de la contradanza de novedades que apenas tienen que ver, muchas veces, con el arte más que lo que el material tiene que ver con la obra futura. (...) Puede decirse que Vázquez Díaz ha llegado a un clasicismo de lo nuevo. (...) Um grupo de hombres de espíritu ha proyectado esta tournée artística. Vázquez Díaz, al responder a la invitación del Portugal hermano, va a devolverle el saludo que nos trajeron, cálido, los intelectuales portugueses. Acompáñele la simpatia de cuantos tiene fe, esperanza y amor en una Iberia rediviva. (...) He aquí un nuevo y fuerte paso en el camino de la compenetración de Portugal y España.[10]
Logo se descobre que o convite foi feito pela revista Contemporânea[11], que anunciou em Outubro de 1922, no seu quarto número, a organização de uma exposição de Vázquez Díaz[12], reproduzindo o seu quadro Retrato de la esposa del pintor, agora intitulado Mi Mujer. A revista informava ainda que o pintor se encontrava em Espanha para “tratar da remessa dos seus quadros para organizar (nesse) inverno a sua exposição em Lisboa (...)”, o que nos permite estabelecer uma sequência temporal da presença de Vázquez Díaz em Portugal no ano 1922: em Agosto viajou para Portugal e em Outubro já tinha regressado a Espanha; em Setembro[13], o pintor deu uma entrevista ao Diário de Lisboa, onde anunciou a inauguração da sua exposição em Lisboa, pensada ainda para Novembro ou Dezembro do mesmo ano. Na apresentação de Vázquez Díaz nas páginas desse periódico, tal como na imprensa espanhola, foi de novo reconhecida a importância e o significado da “embaixada” do pintor em Portugal para o estreitamento das relações, artísticas e políticas, entre os países ibéricos:
O sr. Vázquez Díaz é um notável pintor espanhol, que muita gente desconhece em Portugal, talvez por ser a Espanha o país mais vizinho do nosso. Felizmente para nós, esse ambiente de indiferença que havia em Portugal pelos artistas espanhóis e na Espanha, pelos artistas portugueses, vai-se modificando duma maneira tão sensível, que bem podemos chamar a este período de aproximação artística e intelectual a revelação da amizade ibérica. É aos artistas e aos homens de letras, enquanto os políticos perdem o seu tempo em afirmações platónicas de amizade, que está entregue a obra de aproximação ibérica. [14]
Sublinhou-se ainda o caráter internacional do pintor, que não só era sócio do salón de Paris e da Sociedade Nacional de Bellas Artes espanhola, como o Museu de Luxemburgo tinha adquirido duas obras suas: “Vázquez Díaz veio a Lisboa simplesmente em digressão artística”. O pintor informava ainda que tencionava regressar a Portugal para pintar “só paisagem: coisas de cor, de luz, de movimento, que é o que mais (lhe) interessa(va) em Portugal”.
No quinto número da Contemporânea, de Novembro de 1922, para além de ser reproduzido o óleo Motivo Basco, foi publicada outra entrevista a Vázquez Díaz, feita por Oliveira Mouta (1893-1973)[15], onde se voltou a acentuar o “internacionalismo” das suas obras e o pintor foi descrito como um dos mais cosmopolitas do meio espanhol do seu tempo – “(...) foi na França, na Alemanha, na Itália e na Suíça que ante a sua obra viu curvar-se uma multidão de cabeças” – mas que, ainda assim, não era valorizado no seu país – “Uma vez em Espanha viu que não vingava o seu esforço como exemplo (...)”– o que, para Mouta, justificou a sua vinda a Portugal: “Foi com este vinco de desilusão no espírito que Vázquez Díaz lembrou-se de visitar Portugal”[16]:
A arte em Portugal (...) tem um movimento acentuadamente modernista como em qualquer das nações cultas onde estive. Vocês têm pintores e desenhadores, dignos de figurarem lá entre os bons. (...) Em Espanha, público e artista, pensam ainda que a pintura foi terminar em Velázquez. D’acordo que temos por lá, dois ou três artistas que não se conformam e que executam a seu modo. Mas nada que represente uma força, um movimento, uma tentativa de renascença! De tudo isso dispõem vocês presentemente. E oxalá que o conservantismo espanhol desembarace o caminho envergonhado pelo exemplo!
A receção à primeira exposição de Vázquez Díaz em Portugal foi muito positiva, e a imprensa espanhola seguiu com atenção o êxito do pintor: periódicos como La Esfera reproduziram impressões e imagens, como a fotografia que captura a visita à exposição de Lisboa do Presidente da República no dia 23 de Janeiro (fotografia que também encontramos nas páginas da Ilustração Portuguesa), com declarações que reforçavam o papel desenvolvido por Vázquez Díaz, enquanto ponte de união entre as duas culturas:
Vázquez Díaz recibió de Portugal la máxima consagración que puede ambicionar un artista en el Extranjero: la consagración oficial del Gobierno; la consagración de las élites; laconsagración de la crítica, que lo aplaudió con ruido; la consagración espontánea del pueblo (...). No sé qué valor tiene, en mediu de una carrera triunfal como la de Vázquez Díaz, la consagración en un país como Portugal. Si. Lo que sé es que el sol de España, que brilla como el oro en sus cuadros, comulgando en un largo beso de luz con el sol lusitano, fué más fecundo para la aproximación de los dos pueblos que serían los discursos de quince embajadores (...)[17].
Esse mesmo sentimento foi expresso no evento de homenagem a José Pacheco, realizado no dia 13 de Janeiro de 1923 no restaurante Garrett em lisboa, num autêntico “Banquete de Confraternización hispanolusitana”, como informava La Correspondência de España[18]. Estiveram presentes no evento Daniel Vázquez Díaz e Ramón Gómez de la Serna[19] (1888-1963), no que resultou ser “el escenario ideal de intercambio de los más sinceros deseos de aproximación hispano-portuguesa”:
Se ha celebrado un banquete en honor de D. José Pacheco, director de «La Revista Contemporánea», para celebrar el triunfo alcanzado por esta publicación, que es el órgano en portugal de las nuevas tendencias artísticas. A derecha y izquierda del homenajeado se colocaron los señores Gómez de la Serna y Vázquez Díaz, cuya presencia provocó calurosas manifestaciones de simpatia. Varios destos presentes pronunciaron algunas palabras, manifestando sus sinceros deseos de una intensa aproximación hispano-portuguesa.[20]
[1] Anónimo, «Arte e artistas», Ilustração Portuguesa, 20 de Janeiro de 1923.
[2] Anónimo, «Durante o Primeiro Ano, Contemporânea realizou», Contemporânea, Março de 1923.
[3] Anónimo, «Exposições de Pintura e de Escultura», Ilustração Portuguesa, 13 de Janeiro de 1923.
[4] Ana Berruguete, «Vázquez Díaz y Portugal», em Suroeste. Relações literárias e artísticas entre Portugal e Espanha (1890-1936), ed. Antonio Sáez Delgado e Luis Manuel Gaspar (Badajoz: Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales/MEIAC, 2010), 328.
[5] Anónimo, O Século, 23 de Janeiro de 1923, 1-5.
[6] Anónimo, O Século, 22 de Janeiro de 1923, 4.
[7] Berruguete, «Vázquez Díaz y Portugal», 2010.
[8] Anónimo, «Vázquez Díaz», El Sol, 27 de Agosto de 1922, 4.
[9] Anónimo, «Vázquez Díaz, en Portugal», La Voz, 26 de Agosto de 1922, 6.
[10] Lapso no nome do artista (“Enrique” Vázquez Díaz). Blanquerna, «Vázquez Díaz, embajador», La Correspondencia de España, 25 de Agosto de 1922.
[11] A 7 de Janeiro de 1923, a revista madrilena ABC informa erroneamente que o convite feito a Vázquez Díaz foi feito pela Ilustração Portuguesa: Anónimo, «Notas varias de Portugal», ABC, 7 de Janeiro de 1923, 29. Em Daniel Vázquez Díaz, Daniel Vázquez Díaz: 1882-1969 (Madrid: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2004) é dito novamente que o convite foi feito pelo jornal Ilustração Portuguesa.
[12] Anónimo, «Echos», Contemporânea, Outubro de 1922.
[13] A estadia de Vázquez Díaz em Portugal poderá ter sido interrompida pelas homenagens que lhe foram dedicadas nesse mês em Nerva, no seu município natal de Huelva, Espanha. Vázquez Díaz, Daniel Vázquez Díaz: 1882-1969.
[14] Anónimo, «O pintor Vasquez Diaz conta ao “Diário de Lisboa” as suas impressões de Portugal», Diário de Lisboa, 20 de Setembro de 1922.
[15] Sáez Delgado, Órficos y ultraístas. Portugal y España en el diálogo de las primeras vanguardias literarias (1915-1925) (Mérida: Editora Regional de Extremadura: 1999).
[16] Oliveira Mouta, «Ainda sobre Vasquez Diaz», Contemporânea, Novembro de 1922, 2.
[17] Reynaldo Ferreira, “Vázquez Díaz en Portugal”, La Esfera, 7 de Abril de 1923, 10.
[18] Ana Berruguete, «Vázquez Díaz y Portugal», 328.
[19] O discurso de Gómez de la Serna foi reproduzido na íntegra nas páginas de Janeiro de 1923 d’A Contemporânea, n.7, pp.1-3, assim como o de Rogerio Gárcia Pérez (1890-1979), também presente no evento, pp.4-5. Foi ainda reproduzido Madre campesina de Vázquez Díaz.
[20] Anónimo, «Los intelectuales españoles y portugueses», El Heraldo de Madrid, 15 de Janeiro de 1923, 3.