III Salão dos humoristas portugueses (1.7.1920-22.7.1920)
No III Salão dos Humoristas Portugueses, realizado no salão do Teatro de São Carlos[1] de 1 a 22 de Julho de 1920[2], expuseram, na secção de “Artistas hespanhoes” (preços em pesetas)[3]: Lorenzo Aguirre y Sánchez: Gajes del Oficio (n.1, 300 pts) e La Maja (n.2, 300 pts); Pedro Antequera Azpiri: «Donosti-Ko Estropadak» (Regatas em San Sebastian) (n.3, 1.000 pts); Antonio Barbero: Amaos los unos a los otros (n.4, 300 pts) e La niña se ha puesto de largo (n.5, 200 pts); Salvador Bartolozzi: Carnaval (n.6, 400 pts) e Apaches (n.7, 400 pts); Manoel Bujados: Fuching, ingenua y melancólica (n.8, 600 pts) e Jardin apasionado (n.9, 500 pts); D’Hoy (Josè Maria del Hoyo): Nosotros somos nosotros (n.10, 350 pts); “Juan José”: El Bufon enamorado (n.11, 300 pts) e El roble y la vid (n.12, 300 pts); “K-Hito” (Ricardo García López): ¡Guardias! ¡Guardias! (n.13, 100 pts) e Se ruega brevedad en las visitas (n.14, 200 pts); Tomás Gutíerrez Larraya: La noche (n.15, 300 pts); Ramón Manchón: Nocturno (n.16, 175 pts) e Igual para todos el amor (n.17, propriedade de José Francés); Enrique Ochoa: Sinfonia en verde (n.18, 300 pts) e La muchacha de las manzanas (n.19, 300 pts); Francisco López Rubio: El banco de Arena (n.20, 250 pts) e La nieta de Goya va a los toros (n.21, 250 pts); “Tito” (Exoristo Salmeron): Monseñor (n.22, 150 pts); Daniel Vázquez Díaz: Arlequin se aburre (n.23, 250 pts) e Danza (Agua fuerte) (n.24, 250 pts); e Adolfo Rodríguez Castañé que, no catálogo da exposição, é incluído na secção de “Artistas portugueses e estrangeiros residentes em Portugal”): Del tiempo de Goya (n.28, 500 pts).
Dois meses antes, o anúncio da exposição tinha sido recebido com entusiasmo pelo crítico artístico e literário Armando Ferreira (1893-1968) quem, nas páginas d’A Capital, caracterizou o “excelente” evento não só como “um novo facto no nosso mazombo meio (artístico)”, mas também inevitável: “Mas esse Portugal onde os habitantes têm aquela expressão tão banalizada – toujours gais – não tivesse o seu punhado de artistas-humoristas, no género caricatura, no género blague, no género comentário, que outro país melhor os havia de apresentar?”[4].
Ferreira entrevistou um artista expositor e organizador do evento – cuja identidade desconhecemos, mas que nos indica que a presidência da comissão organizadora do evento pertence ao artista Emérico Hartwich Nunes[5] (1888-1968)[6] –, que o informou de que tinham sido convidados “todos os artistas novos, como Alberto Sousa, Milly Possoz, Rey Colaço, m. Jourdain (sic), que, embora não humoristas são modernistas (...)”[7] e que, até então,
(...) alguns já mandaram os trabalhos, tal o entusiasmo... outros continuam na indiferença e preguiça que são costume dos antigos boémios e artistas, esquecendo que a vida de hoje é muito diferente. A Espanha há poucos anos não tinha caricaturistas. Basta dizer que o presidente dos humoristas espanhóis é... Leal da Câmara. [8]
Vejamos alguns exemplos do que a crítica portuguesa teve a dizer sobre estes artistas espanhóis. No dia da sua inauguração, Armando Ferreira publicou a seguinte opinião n’A Capital:
É impossível, meus caros leitores, precisar-lhes bem o que seja a exposição dos humoristas hoje aberta no Salão do Teatro de S. Carlos. Muita gente, muita alegria, muito bom humor; muita “blague” e até, sim meus caros leitores, muita “arte”. Com licença dos ilustres e reverendos poderes burocráticos que, um dia consultados sobre a interpretação de caricaturas e humoristas perante a lei das taxas de objetos artísticos, coçaram o crânio escalvado (...) nós opinamos que a caricatura é uma das mais expressivas e vivas facetas da arte (...). Pela nossa parte, amamos a caricatura, com uma dessas paixões furiosas e exóticas como as têm os que preferem o amor de varinas ou saloias ao de duquesas ou perfumadas damas. Delicia-me aquela arte que surpreende e agride o burguês, que lhe piparoteia as orelhas e encerra às vezes numa facécia, numa leve ironia, mais verdade e mais cáustica moralidade do que 3 discursos cerrados de Platão ou um volume bem cartonado de qualquer clássico pregador.[9]
De regresso ao conteúdo da exposição:
Aqui, têm os senhores de tudo. Caricaturas, impressionismo, desenhos bons e facécias de humoristas. Notas salientes e um todo muito honesto, já muito brilhante e valioso. (...) Os espanhóis têm notas interessantes, Bartollozi, Bujardos, Manchón, Ochoa, Vázquez Díaz, que com os seus processos característicos nos dão impressões modernas uns, originais outros, (...) mas é impossível, Dianho, especificar melhor.[10]
Acácio de Paiva (1863-1944), nas páginas da Ilustração Portuguesa[11], afirmou serem raros “os (artistas) que avaliaram as suas obras pelo que elas merecem”, o que resultou na fixação de “quantias verdadeiramente ridículas, algumas das quais não pagariam o papel e a moldura, em qualquer estabelecimento da especialidade”. Para o redator, a qualidade do conteúdo da exposição, que considerou ser “uma das mais interessantes” do seu ano, e onde houve “talento em abundância”, não coincidiu com os valores das afixados no catálogo, o que só poderia revelar nos seus artistas “uma curiosa indiferença pelos bens terrenos ou um inteiro desconhecimento do que sejam valor e preço”.
Mas se, num tempo em que “tanto se clama(va) contra a carestia de tudo, quando se ped(ia)m exorbitâncias pelo que ainda há pouco tempo custava uma bagatela”, este “grupo de alegres rapazes d(eu) este exemplo de isenção e de superioridade, oferecendo quase gratuitamente algumas obras-primas (...), como se trabalhassem para passar o tempo e não para ganhar a vida (...)”, a sua irreverência não teve expressão nas vendas. Na verdade, este certame, que para Paiva foi “a melhor exposição de caricaturas vist(a) em Lisboa”, foi um fracasso de vendas como nenhum até então, o que na sua opinião se explicava “exatamente porque os preços (eram) baixos; fossem eles justos, ou melhor ainda, exagerados e não faltaria quem quisesse ornamentar as paredes de sua casa com tão valiosos objetos”.
A participação dos artistas espanhóis na exposição lisboeta foi ação do crítico de arte espanhol José Francés (1883-1964)[12] que, em Março de 1920, tinha organizado o VI Salão dos Humoristas espanhóis no Círculo de Bellas Artes em Madrid[13]:
José Francés, esse bom amigo que Portugal tem em Espanha, acha-se empenhadíssimo nessa representação. Ao convite que há pouco tempo os nossos humoristas receberam para irem expor a Madrid com os artistas espanhóis, correspondeu-se agora convidando-os a cá virem.[14]
No ano seguinte, José Francés escreveria sobre o “numeroso” grupo dos humoristas portugueses[15], batizando-os como “netos espirituais” de Bordalo Pinheiro[16] e de Leal da Câmara, “el emigrado y triunfante en Madrid y París cuando en Lisboa no podía respirar su independencia rebelde”, duas figuras que considera representativas da opinião livre – o primeiro na segunda metade do século XIX e o segundo nos inícios do século XX. Para Francés, o ambiente artístico e literário português, onde “no le han faltado nunca semanarios satíricos”, seria muito mais descomprometido do que o espanhol, inclusive desde a monarquia:
(...) lo mismo en la época de los Braganzas que hoy día, el caricaturista han podido decir libremente cosas que aquí no se consientem o se les pone la sordina de la censura. Luchaba por la República bajo la Monarquía; sueña con los retornos monárquicos o con los progresos societarios bajo la República. Es siempre el disconforme, el revolucionario que debe ser en todo momento el verdadero caricaturista.[17]
Ainda no ano da exposição, no periódico espanhol La Esfera[18], o III Salão dos Humoristas portugueses foi caracterizado por Francés – desta vez sob o seu pseudónimo “Silvio Lago”[19] – como uma continuação do salão homónimo espanhol, apresentando um conjunto de obras libertas de um “etiquetismo estrecho” pela sua própria qualidade:
Lisboa ha presenciado recientemente ese mismo espectáculo que cada año Madrid contempla con crecientes dotes de expresiva elocuencia afirmativa: el Salón de Humoristas. Para mayor identidad con los Salones madrileños, este Salón lisbonense acogía la primera salida de los dibujantes españoles (...) Los dibujantes perfeccionan cada vez más los procedimientos; seleccionan los temas y motivos; presciden de esas primitivas influencias indispensables en todo período de transición, agudizado ya de renacentismo característico. Esa misma evolución ascendente la hemos ido presenciando en Madrid. (...) España tiene hoy día un grupo definido y definidor de dibujantes y ilustradores que no hacían presentir los balbuceantes o degenerados productos editoriales de fines del siglo XIX. (...) Porque si los Salones de Humoristas españoles hubieran tenido ese carácter de restricción (...) habrían significado no más que aislados momentos de fusión de la caricatura esparcida por los periódicos profesionales o enfangada en la visión unilateral de la política partidista.
No mesmo artigo, celebrou-se a receção positiva das obras dos humoristas espanhóis apresentadas em Portugal, dado que a crítica lisboeta soube compreender a arte exposta “con una generosidad de frase y una clarividencia estética”, fenómeno raro na crítica espanhola, caracterizada como um “pêndulo que oscila entre la pedanteria arrivista y el pancismo rezagado”. Para Lago, essa afinidade entre a crítica portuguesa e as obras espanholas seria uma demonstração da mais íntima coesão entre artistas portugueses e espanhóis:
Ejercida, generalmente, la crítica portuguesa por jóvenes; destacado por jóvenes el arte de la estampa humorística o decorativa, era lógico que la juventud consciente de nuestros artistas coincidera con esa crítica y ese arte sin previas abdicaciones ni renuncias. Así, no nos han soprendido las críticas de A Manhã, O Século, A Batalha, A Época, Diário de Notícias, A Capital, A Pátria, Ilustração Portuguesa, etc., donde, además del examen apologético o diseccionador de las obras de nuestros dibujantes, se exaltaba una entusiasta devoción á España.[20]
Lago informa-nos ainda que La Esfera pretendia publicar e comentar as obras portuguesas presentes nesse salão lisboeta, de forma a preparar os leitores com um “conocimiento más directo” para o futuro Salão de Humoristas em Madrid, para o qual seriam convidados esses mesmos artistas portugueses – “Y sólo entonces consideraremos que se empieza a saldar la deuda de gratitud por la acogida dispensada a los humoristas españoles, y que les otorgamos parte del homenaje de divulgación y elogio que merecen los humoristas portugueses”.
[1] Armando Ferreira, «A Exposição dos Humoristas - Portugueses e Espanhoes - Uma nota interessantíssima no nosso meio artístico», A Capital, 1 de Julho de 1920.
[2] Grupo de Humoristas portugueses, Grupo de Humoristas portugueses: 3a exposição (Lisboa: s.n., 1920).
[3] Os restantes artistas, portugueses e estrangeiros, foram: “Xico”, Albert Jourdain, Alberto Sanches de Castro, Alberto Van Hoertre de Telles-Machado, Alfredo Cândido, Alfredo Carlos da Rocha Vieira, Almada Negreiros, António Ramos Ribeiro, António Soares, Apeles da Rocha Espanca, Armando de Basto, Balha e Mello, Bernardo Marques, Cristiano Cruz, Domingos Xavier Rebelo, Emérico Hartwich Nunes, Ernesto do Canto, Francisco de Castro, Hipólito Collomb, J. Blatte, Jimmy Savin, João de Menezes Ferreira, João Maria Arnaldo Ressano, Jorge Barradas, José Pacheco, Martinho da Fonseca, Norberto Corrêa, Ruy Vaz, Stuart Carvalhais, Tomás Júlio Leal da Câmara e Viriato Silva. Grupo de Humoristas portugueses, Grupo de Humoristas portugueses: 3a exposição (Lisboa: s.n., 1920).
[4] Armando Ferreira, «A proxima exposição dos humoristas portuguezes e hespanhoes», A Capital, 27 de Maio de 1920, 1.
[5] Confirmado em Anónimo, «A 3ª Exposição do Grupo de Humoristas Portugueses», Ilustração Portuguesa, 19 de Julho de 1920, 42-43.
[6] José-Augusto França, A arte em Portugal no século XX (Lisboa: Bertrand, 1974).
[7] De acordo com o catálogo da exposição, nenhum destes artistas referidos pelo entrevistado participou no certame.
[8] Ferreira, «A proxima exposição dos humoristas portuguezes e hespanhoes». Para uma descrição detalhada do círculo artístico e social de Tomás Júlio Leal da Câmara em Espanha ver Maria Jorge e Luis Manuel Gaspar, «Miren ustedes: Leal da Câmara em Espanha», em Suroeste. Relações literárias e artísticas entre Portugal e Espanha (1890-1936), ed. Antonio Sáez Delgado e Luis Manuel Gaspar (Badajoz: Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales/MEIAC, 2010), 157–61.
[9] Ferreira, «A Exposição dos Humoristas - Portugueses e Espanhoes - Uma nota interessantíssima no nosso meio artístico», 2.
[10] Ferreira, 2.
[11] Acácio de Paiva, «Crónica», Ilustração Portuguesa, 12 de Julho de 1920.
[12] Fernando García Rodríguez, «Entre la tradición y la vanguardia (académicos y modernos): un debate en la crítica de arte de España del primer tercio del siglo XX», em El arte español del siglo XX: su perspetiva al final del milenio, ed. Miguel Cabañas Bravo (Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 2001), 105–24.
[13] José Blanco Coris, «En la Exposición de Humoristas», El Heraldo de Madrid, 3 de Março de 1920.
[14] Ferreira, «A proxima exposição dos humoristas portuguezes e hespanhoes».
[15] Referindo (Emérico) Nunes, (Jorge) Barradas, Stuart Carvalhais, (António) Soares, (Alberto) Telles-Machado, (António) Ramos Ribeiro, (João) Menezes Ferreira, (Alfredo) Rocha Vieira, (Alberto Sanches ou Francisco de) Castro, (Viriato) Silva, (José) Pacheco, (Cristiano) Cruz, (Alfredo) Cândido, Almada (Negreiros), (Norberto) Corrêa, (Ernesto do) Canto, João Maria (Ressano Garcia), todos participantes no III Salão dos Humoristas do ano anterior. José Francés, «Humoristas Contemporáneos: Emerico H. Nunes», Bven Hvmor, 1921.
[16] Cuja criação do Zé Povinho compara com o Michel alemão, o John Bull inglês, a Mariana francesa, o Uncle Sam americano, o Pasquin italiano e o Gedeón espanhol, enquanto interpretações de uma “racialidade íntegra” e “submetida às arbitrariedades do Estado”.
[17] Francés, «Humoristas Contemporáneos: Emerico H. Nunes», 12.
[18] Silvio Lago, «Los Humoristas portugueses», La Esfera, 18 de Setembro de 1920.
[19] García Rodríguez, «Entre la tradición y la vanguardia (académicos y modernos): un debate en la crítica de arte de España del primer tercio del siglo XX».
[20] Lago, «Los Humoristas portugueses», 22.